quarta-feira, 5 de junho de 2013 | By: Unknown

Colada na essência


"Quando você está na sua essência, no seu caminho, você vive numa plenitude tão grande, que nada te afeta muito."
    

  Aos 34 anos, Renata Bortoleto têm um livro publicado, uma peça que acaba de sair de cartaz, e muita história para contar. Se formou em jornalismo na Cásper Libero em 2001 e trabalhou durante um ano e dez meses na Revista Imprensa. Porém, por um acaso do destino (ou desvio no caminho, como ela prefere chamar), passou nove anos de sua vida transitando por diversas áreas do antigo Banco Real (hoje Santander). Trabalhando com produção de conteúdo, jamais abandonou a escrita. Mas se tornou algo muito diferente do que havia imaginado para si mesma quando escolheu o jornalismo como profissão. Em 2010, tomou coragem e resolveu assumir e viver daquilo pelo qual era realmente apaixonada: A arte.
   Logo na primeira pergunta, Renata não poupa palavras e gestos para tentar explicar porquê quis ser jornalista. A fala é lenta e despreocupada, sem pressa. Talvez o lugar e a hora escolhidas, um parque conhecido e familiar ao entardecer de uma quarta feira, contribuam para a respiração calma e o clima leve da entrevista. Renata não se importou em ficar no Sol, fraco, mas revigorante, como só um final de tarde de outono pode ser: “Já estamos aqui, é bom tomar um solzinho, né?”. Assim começa a conversa. Ao sentarmos em um dos quiosques vazios, próximo a uma quadra e algumas crianças jogando futebol, o que era uma entrevista se tornou um bate papo muito interessante. A cada fala, novas perguntas surgiam, sorrisos eram trocados, cumplicidade e compreensão ao responder sobre escolha, em comum, da profissão: “Os talentos que vem da infância ajudam muito, essa coisa de gostar muito de ler e escrever, que é o que todo jornalista responde. Isso continuou até hoje. Foi pela paixão pela escrita e por ler.” E confessa, aos risos: “Sempre fui aquela criança bem nerdzinha”. Apesar de vários talentos e profissões, dramaturga, escritora, diretora, atriz, ser jornalista é o que Renata mais se orgulha: “Eu sempre vou ser jornalista. Se alguém me perguntar: O que você é? Eu sou jornalista!”, afirma, com veemência na voz e com a certeza de quem sabe o que quer.
  E foi como jornalista, com o trabalho de conclusão do curso na Cásper Líbero, que Renata escreveu “Contos de Bordel”, livro-reportagem que ganhou Prêmio Volkswagen de Jornalismo, em 2001.
  Na hora de falar sobre a vida pessoal, Renata não deixa a paixão de lado, mas seu tom de voz e expressão ficam mais sérios. Quando perguntada do motivo que a levou escrever o livro sobre “Contos de Bordel”, sobre a prostituição na Boca do Lixo de São Paulo, ela diz apenas que fazia parte de sua rotina ver aquilo todos os dias. “Quando trabalhava na revista Imprensa, naquela região havia muitas casas, era muito diferente. Chama a atenção. Foi uma ideia que veio porque eu vivia aquilo no dia a dia.“
  No ano em que passou fazendo pesquisa de campo, usou diversas artimanhas para conseguir coletar informações. “Falávamos que éramos lésbicas e estávamos curiosas. Às vezes a gente chamava um amigo para ir junto, mas isso sempre atrapalhava na hora de fazer a reportagem, porque quando estávamos com amigos ou namorados não conseguíamos nos aproximar das prostitutas.”
  A escritora fala das aventuras que passou calma e tranquila, do mesmo modo como agiu nas conversas com as garotas de programa. Geralmente elas começavam com um simples “Oi, tudo bem?”. A tática mais comum era aproximar-se pedindo para acender o cigarro. Renata nem fumava. Ela comenta que as conversas eram informais. “A gente ia sentindo o quanto elas gostavam da gente e não se sentiam ameaçadas. “
  Tudo, porém não era só feeling. Renata e suas colegas planejaram o que deveria ser feito. Mapearam todas as casas de prostituição, depois de cada visita, ao chegar em casa, cada uma fazia um relatório e só depois de acumular material é que começaram a escrever.
  Renata invadiu a vida dessas mulheres, conheceu seus filhos e maridos e percebeu que o ser humano é “nojento por ser carregado de preconceito em todos os aspectos”. Com o olhar um pouco melancólico e mexendo inquieta nos óculos, ela comenta que acha a prostituição muito triste, mas tem respeito por qualquer tipo de ser humano que não violente o outro.
  A única coisa da qual se arrepende, é de ter ficado muito tempo trabalhando no banco. Mesmo com todos os desafios que poderia ter ao largar um emprego com estabilidade financeira, uma vida com seus hábitos, há quatro anos ela desistiu do emprego em ascensão para correr atrás do seu sonho. Não teve medo de abandonar tudo isso para viver no mundo das artes.
  “O ser humano precisa de historia, pra sobreviver. Mas existe esse preconceito. No momento da minha ruptura teve muita gente que me chamou de corajosa e muita gente me chamou de louca. Então é essa mentalidade do mundo, de muito medo e um preconceito. Principalmente quando você fala que vai trabalhar com arte.”
  Apenas em momentos pontuais da vida, a Renata pensou em voltar a sua antiga vida: “Os momentos em que eu pensei em voltar, eram momentos em que estava completamente desequilibrada. Durante seis meses, posso dizer que isso aconteceu durante duas horas”, conta de uma forma descontraída e sorridente.


            “As pessoas tem medo de ser feliz. A felicidade é cheia de culpa"


  Hoje, Renata vive em plenitude e harmonia com si mesma e com o que faz. Fala com carinho dos seus trabalhos e crê firmemente ter encontrado, enfim, seu caminho. Apesar de assumir ser só o começo de uma longa jornada, ela diz, pela primeira vez na entrevista, algo que iria se repetir muito ao longo das próximas duas horas: “Colar na essência é quando você está na sua plenitude, na plenitude que você é. Imagina um médico sendo engenheiro ou um ator fazendo psicologia. São coisas muito violentas para o ser humano.” E afirma, como quem faz um desabafo: “As pessoas tem medo de ser feliz. A felicidade é cheia de culpa (...) É muito difícil porque como a gente vive em um mundo muito utilitário e muito mercantilizado, as pessoas normalmente não entendem essa decisão, viver da arte. Mas quando você está na sua essência, no seu caminho, você vive numa plenitude tão grande, que nada te afeta muito.
  Você conquista alguma coisa para você, que é você, e só Deus para te tirar do seu plano, sabe?”, completa, com olhar aflito, de quem busca compreensão para algo tão óbvio aos próprios olhos.
  Durante toda a entrevista, manteve o ar descontraído, respondendo as perguntas com calma e clareza. Em nenhum momento se mostra impaciente, apreensiva ou nervosa. Ao contrário, brinca e sorri contando as suas histórias, quase em tom de confissão. Mostra-se feliz em contá-las para alguém que se interesse tanto em ouvi-las. Se emociona ao relembrar momento marcante na sua época de faculdade: “Na faculdade tive a oportunidade de viver coisas muito fortes. Me lembro de uma matéria que eu fiz de como vivem os cegos, uma grande reportagem, e me marcou muito. Essa é uma matéria que eu lembro, que eu senti, e foi uma descoberta pra mim. Foi muito tocante.”
  Quando perguntamos sobre um trabalho marcante na sua carreira, Renata não hesitou em falar da sua primeira peça, “Depois de ontem”, onde ela pôde se experimentar como dramaturga e diretora, e mostrar a todos do que era capaz. Enquanto escrevia a peça, Renata sabia exatamente a escolha dos atores, mas afirma não ter ideia de onde surgiu o tema, só sabe que começou a desenvolvê-lo no curso de dramaturgia que fez. “Não lembro nem sei de onde veio a ideia. É um mistério” .
  A peça ficou em cartaz no Teatro Viga durante os finais de semana do mês de abril. Na obra, a escritora trata de um assunto delicado: A relação e a rotina de um menino de oito anos e sua mãe problemática. Mas, como conta, a peça vai além. Mostra a relação entre os seres humanos, sua tendência de ferir ao outro quando se coloca em primeiro plano, intencionalmente ou não. A peça levou dois anos até ser posta em cartaz e Renata enfrentou algumas dificuldades como a falta de patrocinadores. “Tinha uma coisa mística na minha cabeça, como foi o meu primeiro trabalho eu tinha que estrear em grande estilo”.
  Fiel a seus valores, Renata não hesita ao escolher a arte à estabilidade financeira de um emprego comum. “O que tem mais valor pra mim? Será que de novo eu vou pensar no valor financeiro do jeito que o mundo pensa? Será que o mundo não precisa de arte? O ser humano precisa de história para sobreviver”.
  Uma pessoa que mostra a sua essência com apenas um sorriso, que conversa olhando nos seus olhos, com paciência, se mostrando interessada em compartilhar sua experiência com quem quiser ouvir. Talvez isso se de ao fato dela ser um pouco dramaturga, jornalista, escritora. Possui uma sensibilidade aflorada pela vida, pelas pessoas e suas histórias.
  Renata sabe que das escolhas que fez, nenhuma foi em vão. “Sempre vale a pena quando você esta colado em quem você é. Quando você descobre quem você é, e tem 100% de coragem para ser. Não existe ‘não valer a pena’.”



"Será que o mundo não precisa de arte? O ser humano precisa de história para sobreviver”.




1 comentários:

Unknown disse...

Adorei a matéria. Perfeita. Digna de uma "jornalista" nata.

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